O cante alentejano poderá ter tido origem nos coros gregorianos das igrejas católicas ou nos cânticos árabes que ecoaram pelas planícies do sul do país durante séculos. Uma vez que a história documentada do cante alentejano remonta apenas ao século XIX, não é possível definir com muitas certezas qual foi a sua origem. No entanto, sabemos que a sua existência é antiga o suficiente para que, mesmo não sendo a única expressão musical do Alentejo, se tenha tornado uma das suas mais famosas tradições.
Com uma sonoridade inigualável em todo o país, estes cantares dos grupos corais alentejanos tornaram-se um cartão de visita para esta região. São, também, uma atração internacional, desde que em 2014 foram considerados Património Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO.
Cante alentejano: polifonia de vozes em modas tradicionais
A palavra “cante” assume a fonética regional para a palavra “canto” e é aplicada ao canto coral tradicional praticado por grupos amadores na região do Alentejo. Sem fazer recurso a qualquer instrumento musical, os grupos de cante podem reunir até 30 cantores. Neste grupo, duas vozes solistas, o “ponto”, que inicia a moda, e o “alto”, que duplica a melodia com variantes de escala e ornamentos, alternam-se com o coro de vozes onde os solistas também participam.
As estrofes repetem-se de forma cíclica, o número de vezes que o grupo coral achar necessário. O repertório das peças cantadas, a que se chama de modas, aborda temas variados, desde a vida rural, à natureza alentejana, desde o amor, à maternidade ou à religião. É esta estrutura do cante alentejano que alia uma polifonia muito própria às vivências únicas desta região que lhe atribuiu a sua singularidade em Portugal e no mundo.
Praticado entre os trabalhadores rurais que o cantavam para amenizar os longos e árduos dias de trabalho, o cante tinha também lugar cativo nas tabernas, depois de sol se pôr. Aqui, assumia um papel de luta pelos direitos destes trabalhadores, como é exemplo uma das mais famosas cantigas de cante alentejano em Portugal, a Grândola Vila Morena de José Afonso.
Um sentido de identidade e de pertença
Esta forma de cantar, tão diferente das demais encontradas no nosso país e no mundo, desempenhou e ainda desempenha um papel fundamental na vida social e cultural das comunidades alentejanas.
Utilizada em reuniões sociais e transmitida entre gerações nos ensaios corais, sempre foi sinónimo entre os participantes destes grupos corais de um forte sentimento de pertença e identidade com a sua região.
Este contributo para a coesão social das gentes do Alentejo fez com que o cante ganhasse hoje novas formas de vida. Se antes as pessoas se juntavam para cantar de forma espontânea e em diversos contextos, hoje é mais comum só se juntarem para cantar os cantores que fazem parte de um grupo coral alentejano pré-definido.
Mas estes grupos são acarinhados pelas comunidades locais. Além disso, estas comunidades incentivam o interesse dos mais novos pelas modas alentejanas assim cantadas de forma a que o cante não desapareça das tradições do Alentejo.
O cante alentejano também no feminino
O cante alentejano está quase sempre associado à imagem de um coro de vozes masculinas. Mas a verdade é que as vozes femininas só estiveram excluídas destes grupos corais por algumas décadas no século XX, durante o regime político de Salazar, que manteve estes grupos exclusivamente masculinos.
Até esta altura, as mulheres nunca tinham estado excluídas do cante nas situações privadas e nos grupos informais que o praticavam. Depois do 25 de abril, voltaram a ganhar voz. A partir desta altura, a sua presença voltou a crescer, marcando os cantares do cante alentejano com novas notas e sonoridades.
Hoje é comum a existência de grupos mistos, onde homens e mulheres continuam a contribuir para a definição da identidade alentejana através do canto.
O cante alentejano já marca presença em festivais e auditórios e tornou-se uma atração turística em muitos restaurantes onde estes grupos atuam para turistas. No entanto, ainda é possível de escutar em algumas tabernas do Baixo Alentejo o chamado cante no seu estado “puro”, espontâneo e que cria modas de improviso.
As vilas e cidades alentejanas de Cuba, Mourão ou Serpa são apontadas como os locais onde este cante ainda sobrevive nos moldes mais tradicionais. É nas tascas e tabernas destas localidades que as vozes doridas dos cantadores ainda se podem ouvir. Além disso, como afirmam os locais, só quem é verdadeiramente alentejano consegue oferecer este cante verdadeiro, sentido e puxado do fundo da alma do Alentejo.